Campanha de panfletagem com santinhos usa imagem de crianças
desaparecidas para alertar sobre desaparecimentos; programa do MP-SP detectou
que ao menos 3 mil desaparecidos na capital, entre 1999 e 2013, foram
enterrados como indigentes
Há dois anos e quatro meses o taxista Alberto Correia dos Santos, 50
anos, trocou as corridas feitas para os clientes para correr em busca do filho,
em uma briga contra o tempo mais árdua que a do trânsito. Na última vez em que
se viram, dia 19 de maio de 2012, Rodrigo Correia dos Santos, então com 20
anos, havia saído para trabalhar – como o pai, também ao volante de um táxi.
Desde então, nunca mais foi visto. Deixou uma filha de cinco anos.
“Minha vida é procurar meu filho. Não consegui mais voltar ao trabalho,
só faço uns bicos. A vida da gente até continua, mas mudou tudo, né? Fim de
semana eu vou para a escadaria da Sé, já fui a hospitais, IMLs, até a presídio
em Praia Grande já fui em busca dele, mas era alarme falso. Eu não desacredito:
agradeço o que chega de informação e continuo procurando, pois sei que vou
encontrá-lo”, disse.
Santinhos com
imagens de crianças desaparecidas foram distribuídos pelo Ministério Público e
pela agência de publicidade VML em estações de trem de São Paulo
Foto: Divulgação / MP-SP / Terra
Santos falou com o Terra nessa
quarta-feira, dia em que o Ministério Público de São Paulo realizou uma entrega
de santinhos em estações de trem da capital paulista. Em vez de candidatos à
disputa eleitoral, porém, o material estampou fotos de crianças desaparecidas.
A estratégia foi coordenada pelo Programa de Localização de Desaparecidos
em parceria com a agência de publicidade VML, que disponibilizou os impressos.
O filho do taxista é um dos casos acompanhados pelo programa, que,
implementado em novembro do ano passado, concluiu este ano que pelo menos 3 mil
desaparecidos foram enterrados como indigentes, na cidade de São Paulo, entre
os anos de 1999 e 2013. Entre os casos mais comuns de desaparecimento, estão os
de jovens do sexo masculino, como o caso de Rodrigo, idosos e crianças.
“Percebemos que, em geral, o serviço público não se comunica: as pessoas
eram enterradas como indigentes e as famílias não eram avisadas, mesmo tendo
registrado boletim de ocorrência sobre o desaparecimento. Mas não havia a
conversa, por exemplo, entre o serviço que fez a necropsia do corpo, o que
registrou o B.O. e o que fez a verificação do óbito, a fim de que esses dados
pudessem ser cruzados”, explicou a promotora Eliane Vendramini, coordenadora do
programa.
De acordo com a promotora, entre as causas de desaparecimento estão
desde problemas mentais e familiares a aspectos criminais, como situações de
tortura e tráfico humano.
“Pedimos à Secretaria Estadual de Segurança Pública, e fomos atendidos,
para que se emitisse uma portaria que determinasse a modificação do sistema de
busca pelos desaparecidos –de modo que os casos não criminais sejam minimamente
pesquisados”, disse. “Há casos de desaparecidos abrigados em asilos ou
hospitais que essas instituições não conseguiram comunicar as famílias”, citou.
Conforme a coordenadora, o MP instaurou inquérito civil público para
que, juntamente com outras esferas de governo, seja montado um banco de dados
unificado alimentado pelas informações sobre os desaparecidos. Além do
Instituto de Identificação, a iniciativa compreende também secretarias
estaduais de Saúde e Segurança e o serviço de verificação de óbito, além da
Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo (Prodesp).
A previsão é que o banco, organizado pela Prodesp, passe a operar até o
começo do ano que vem.
"Questão dos desaparecidos é tão
importante quanto eleição"
Sobre a campanha com os santinhos com fotos de crianças, a promotora
explicou que a ideia era “mostrar que a questão dos desaparecidos é tão
importante quanto o debate eleitoral” sem que, contudo, a iniciativa ganhasse
ares eleitorais –daí não terem siso usadas fotos de adultos.
“Pedimos às pessoas que, uma vez que algum parente desapareça, isso seja
comunicado à polícia imediatamente. Não tem que esperar tempo algum, como já se
cogitou; se as causas do desaparecimento forem criminosas, ou se envolverem
quem não possa se defender, como um doente mental, uma criança ou um idoso,
quanto mais tempo se demora, menores são as chances de encontrar”, declarou a
promotora.
Promotora cita caso de jovem do
interior de SP
Que caso mais a impressionou desde que o programa começou a atuar?, quis
saber a reportagem.
“Foi a busca de um rapaz que sabemos que está vivo, com problemas de
memória, desaparecido da cidade de Santa Cruz, na região de Marília
(centro-oeste paulista)”, contou. “Ele se chama Érico Carvalhar Junior, e isso
foi há mais de três anos: ele usava remédios controlados, morava com os pais,
estava bem, com pouco mais de 30 anos, e em dado momento uma pessoa se suicidou
se jogando na frente do carro dele. Isso fez com que ele voltasse a ter
problemas mentais, abandonasse tudo e desaparecesse. Os pais estão
diuturnamente voltados a buscar o filho, que tem três filhos em São Paulo.
Sabemos que ele está vivo por ele possuir tatuagens marcantes e já termos
recebido informações de que foi visto em outras cidades, em situação de rua
–mas toda vez que a equipe do programa ou a polícia chega ao local relatado,
ele não está mais. Isso me toca pelo todo, pelos pais, pela causa. As pessoas
precisam entender que o problema do outro pode ser o seu, em algum momento”.
Como
denunciar
Além do registro do B.O. nas delegacias, o desaparecimento pode ser
comunicado ao MP pelo telefone do programa, o (11) 3119-7183, ou
pela página no Facebook. Denúncias também podem ser feitas
pelo site do MP.
terra
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